País também investe em ação social para tirar violência do centro da agenda
Estampado com frequência em manchetes sobre violência nos últimos anos, o México quer sair das páginas policiais para as de economia, sociedade ou cultura. A guerra ao crime organizado declarada pelo ex-presidente Felipe Calderón em 2006 — que segundo organizações civis deixou quase 100 mil mortos nos enfrentamentos entre forças de segurança e cartéis do narcotráfico — começa a dar lugar a uma nova estratégia de segurança liderada pelo atual mandatário, Enrique Peña Nieto.
A aposta inclui a retirada gradual do Exército das regiões mais afetadas pela violência e maior investimento em projetos de prevenção e programas sociais em áreas de risco. Mas a mudança mais visível até agora está na comunicação da violência. Sem alarde sobre capturas, tiroteios e mortes, o governo espera tirar a insegurança do centro de debate da população e dos meios de comunicação. E monta uma agenda diferente baseada na tentativa de que a percepção de paz ajude a mudar a realidade.
— Já não há apresentação de detidos nem de massacres para a imprensa, toda a questão midiática que houve com Calderón. O governo quer fazer que as pessoas deixem de pensar em violência todos os dias. Ele ordenou aos estados que não façam alarde, que a prioridade seja o ataque à pobreza sobre a guerra. E há certa razão nisso — afirmou ao GLOBO o analista José Reveles, especialista em segurança.
Não que a violência tenha deixado o território mexicano. No mês passado, o próprio governo divulgou os números de homicídios ligados ao crime organizado no país desde dezembro, quando Peña Nieto tomou posse: foram 4.249 até março, uma queda modesta de 14% em comparação com o mesmo período do ano anterior.
Foco na economia na relação com eua
Os militares deslocados a regiões de risco ainda são os mesmos, mas as denúncias de violações de direitos humanos cometidas por eles caíram. A impressão, segundo analistas, é de que Peña Nieto foi beneficiado com um voto de confiança da população já pela troca de governo em si, que rompeu com o círculo vicioso do mandato anterior e gerou uma onda de esperança.
Mas as ações sociais, mais que anúncios de capturas de chefões do narcotráfico, também têm feito diferença. Mês passado, Peña Nieto lançou a Cruzada Nacional contra a Fome para atender a população pobre, quase metade dos 112 milhões de mexicanos. Em paralelo, impulsiona uma agenda de reformas em áreas problemáticas no país, como educação e sistema judiciário. E pediu um ano de “trégua” à população para que a mudança de enfoque se reflita nas estatísticas.
— Calderón não errou ao decidir combater o narcotráfico. Era preciso. E os militares aprenderam a fazer inteligência, operativos. Mas foi uma estratégia parcial, focada na polícia federal e no Exército. A nova estratégia de atacar em várias frentes pode ser, em teoria, melhor, mas não é fácil fazê-la andar. Deve haver também um combate à corrupção. Os cartéis penetram nas esferas de governo — ressalta Raúl Benítez Manaut, do Centro de Pesquisas sobre América do Norte da Universidade Nacional Autônoma do México (Unam).
A diversificação da agenda também deve cruzar a fronteira e influenciar a relação com os Estados Unidos. Esta semana, num encontro entre Peña Nieto e o presidente americano, Barack Obama, na Cidade do México, a economia se sobrepôs a temas como segurança e imigração.
— A relação bilateral deve ser multitemática — defendeu Peña Nieto.
Ele anunciou a formação de um grupo com membros dos dois governos para aumentar a integração econômica. A segurança nas fronteiras foi citada como “uma das prioridades”, não a única.
— Continuaremos cooperando da forma que pudermos contra o crime — prometeu Obama, sem detalhes.
Dificilmente, porém, a segurança sairá da pauta, principalmente pela preocupação americana em manter a fronteira segura e limitar a ação dos cartéis em seu território. Obama teve uma cooperação estreita com Calderón, que por sua vez investiu pesado em material militar. Mas, numa demonstração das novas diretrizes, o atual governo mexicano fechou uma base da agência antidrogas americana — a DEA, na sigla em inglês — em Monterrey, numa tentativa de conter a ingerência da Inteligência estrangeira em seu território. Além disso, dissolveu a Secretaria de Segurança Pública e centralizou todo o comando contra o crime na Secretaria de Governança.
Se por um lado as mudanças geram otimismo, por outro também trazem dúvidas. A aparente calma desperta velhos temores em relação ao governista Partido Revolucionário Institucional (PRI), cujo histórico inclui acusações de pactos com o crime organizado para criar uma sensação de diminuição da violência. Paira ainda a ameaça da corrupção — outro velho fantasma da política mexicana — sobre os fundos destinados aos projetos sociais.
Desaparecidos em fossas clandestinas
A lista de desafios abrange ainda mais de 26 mil mexicanos desaparecidos, embora nem todos relacionados à violência. A guerra das estatísticas também preocupa: não raramente, governo, imprensa e organizações civis apresentam contagens próprias e diferentes, o que dificulta o alcance da real dimensão do problema.
— Há cemitérios clandestinos espalhados no território com corpos de mexicanos e imigrantes, numa crise humanitária que o governo ainda não sabe enfrentar — conta Arturo Alvarado, diretor do Centro de Estudos Sociológicos do Colégio de México. — Há casos em que a imprensa e a população relatam enfrentamentos com dezenas de mortos e, depois, menos de dez são registrados nos relatórios oficiais. O que acontece com esses corpos?
Há muitas perguntas ainda sem respostas. Ao mesmo tempo, o governo se prepara para a criação de uma gendarmeria, uma polícia militarizada que atuará nas comunidades de maior risco. O plano faz parte do Programa Nacional de Prevenção do Delito, outra promessa de Peña Nieto para combater os crimes que mais afetam a população, como roubos e sequestros.
— Falar em prevenção não seria possível há quatro anos. As reformas e a debilitação de cartéis iniciadas na administração anterior abriram caminho para um enfoque novo e positivo. É mais simples colocar as Forças Armadas nas ruas do que trabalhar a segurança com ênfase social — diz Antonio Mazzitelli, representante regional do Escritório da ONU sobre Drogas e Crime (UNODC) para o México, América Central e o Caribe. — Agora é preciso vontade política e paciência para colher resultados. Temos que ver a estratégia em ação.
Fonte: O Globo
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