sábado, 4 de maio de 2013

México aposta em combate discreto ao tráfico


País também investe em ação social para tirar violência do centro da agenda

Estampado com frequência em manchetes sobre violência nos últimos anos, o México quer sair das páginas policiais para as de economia, sociedade ou cultura. A guerra ao crime organizado declarada pelo ex-presidente Felipe Calderón em 2006 — que segundo organizações civis deixou quase 100 mil mortos nos enfrentamentos entre forças de segurança e cartéis do narcotráfico — começa a dar lugar a uma nova estratégia de segurança liderada pelo atual mandatário, Enrique Peña Nieto.
A aposta inclui a retirada gradual do Exército das regiões mais afetadas pela violência e maior investimento em projetos de prevenção e programas sociais em áreas de risco. Mas a mudança mais visível até agora está na comunicação da violência. Sem alarde sobre capturas, tiroteios e mortes, o governo espera tirar a insegurança do centro de debate da população e dos meios de comunicação. E monta uma agenda diferente baseada na tentativa de que a percepção de paz ajude a mudar a realidade.
— Já não há apresentação de detidos nem de massacres para a imprensa, toda a questão midiática que houve com Calderón. O governo quer fazer que as pessoas deixem de pensar em violência todos os dias. Ele ordenou aos estados que não façam alarde, que a prioridade seja o ataque à pobreza sobre a guerra. E há certa razão nisso — afirmou ao GLOBO o analista José Reveles, especialista em segurança.
Não que a violência tenha deixado o território mexicano. No mês passado, o próprio governo divulgou os números de homicídios ligados ao crime organizado no país desde dezembro, quando Peña Nieto tomou posse: foram 4.249 até março, uma queda modesta de 14% em comparação com o mesmo período do ano anterior.
Foco na economia na relação com eua
Os militares deslocados a regiões de risco ainda são os mesmos, mas as denúncias de violações de direitos humanos cometidas por eles caíram. A impressão, segundo analistas, é de que Peña Nieto foi beneficiado com um voto de confiança da população já pela troca de governo em si, que rompeu com o círculo vicioso do mandato anterior e gerou uma onda de esperança.
Mas as ações sociais, mais que anúncios de capturas de chefões do narcotráfico, também têm feito diferença. Mês passado, Peña Nieto lançou a Cruzada Nacional contra a Fome para atender a população pobre, quase metade dos 112 milhões de mexicanos. Em paralelo, impulsiona uma agenda de reformas em áreas problemáticas no país, como educação e sistema judiciário. E pediu um ano de “trégua” à população para que a mudança de enfoque se reflita nas estatísticas.
— Calderón não errou ao decidir combater o narcotráfico. Era preciso. E os militares aprenderam a fazer inteligência, operativos. Mas foi uma estratégia parcial, focada na polícia federal e no Exército. A nova estratégia de atacar em várias frentes pode ser, em teoria, melhor, mas não é fácil fazê-la andar. Deve haver também um combate à corrupção. Os cartéis penetram nas esferas de governo — ressalta Raúl Benítez Manaut, do Centro de Pesquisas sobre América do Norte da Universidade Nacional Autônoma do México (Unam).
A diversificação da agenda também deve cruzar a fronteira e influenciar a relação com os Estados Unidos. Esta semana, num encontro entre Peña Nieto e o presidente americano, Barack Obama, na Cidade do México, a economia se sobrepôs a temas como segurança e imigração.
— A relação bilateral deve ser multitemática — defendeu Peña Nieto.
Ele anunciou a formação de um grupo com membros dos dois governos para aumentar a integração econômica. A segurança nas fronteiras foi citada como “uma das prioridades”, não a única.
— Continuaremos cooperando da forma que pudermos contra o crime — prometeu Obama, sem detalhes.
Dificilmente, porém, a segurança sairá da pauta, principalmente pela preocupação americana em manter a fronteira segura e limitar a ação dos cartéis em seu território. Obama teve uma cooperação estreita com Calderón, que por sua vez investiu pesado em material militar. Mas, numa demonstração das novas diretrizes, o atual governo mexicano fechou uma base da agência antidrogas americana — a DEA, na sigla em inglês — em Monterrey, numa tentativa de conter a ingerência da Inteligência estrangeira em seu território. Além disso, dissolveu a Secretaria de Segurança Pública e centralizou todo o comando contra o crime na Secretaria de Governança.
Se por um lado as mudanças geram otimismo, por outro também trazem dúvidas. A aparente calma desperta velhos temores em relação ao governista Partido Revolucionário Institucional (PRI), cujo histórico inclui acusações de pactos com o crime organizado para criar uma sensação de diminuição da violência. Paira ainda a ameaça da corrupção — outro velho fantasma da política mexicana — sobre os fundos destinados aos projetos sociais.
Desaparecidos em fossas clandestinas
A lista de desafios abrange ainda mais de 26 mil mexicanos desaparecidos, embora nem todos relacionados à violência. A guerra das estatísticas também preocupa: não raramente, governo, imprensa e organizações civis apresentam contagens próprias e diferentes, o que dificulta o alcance da real dimensão do problema.
— Há cemitérios clandestinos espalhados no território com corpos de mexicanos e imigrantes, numa crise humanitária que o governo ainda não sabe enfrentar — conta Arturo Alvarado, diretor do Centro de Estudos Sociológicos do Colégio de México. — Há casos em que a imprensa e a população relatam enfrentamentos com dezenas de mortos e, depois, menos de dez são registrados nos relatórios oficiais. O que acontece com esses corpos?
Há muitas perguntas ainda sem respostas. Ao mesmo tempo, o governo se prepara para a criação de uma gendarmeria, uma polícia militarizada que atuará nas comunidades de maior risco. O plano faz parte do Programa Nacional de Prevenção do Delito, outra promessa de Peña Nieto para combater os crimes que mais afetam a população, como roubos e sequestros.
— Falar em prevenção não seria possível há quatro anos. As reformas e a debilitação de cartéis iniciadas na administração anterior abriram caminho para um enfoque novo e positivo. É mais simples colocar as Forças Armadas nas ruas do que trabalhar a segurança com ênfase social — diz Antonio Mazzitelli, representante regional do Escritório da ONU sobre Drogas e Crime (UNODC) para o México, América Central e o Caribe. — Agora é preciso vontade política e paciência para colher resultados. Temos que ver a estratégia em ação.

Fonte: O Globo

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