domingo, 6 de outubro de 2013

Do sucesso e do fracasso

Mãe de cinco filhos, uma avó me disse mostrando a mão: “Olha essa mão. Da mesma palma saem cinco dedos, e cada um é diferente dos outros. Assim também é com os filhos.” Para quem olhar de perto, os dedos são bem diferentes; quando olhados de longe, os detalhes desaparecem e tudo parece igual. Quando estamos dominados por problemas do cotidiano, é bom olhar a noite estrelada, para ver como eles encolhem enquanto descobrimos nossa pequenez e fragilidade.
A matemática, que dá fundamento às ciências exatas, iguala o semelhante e esquece a diferença. Dois ninhos com dois ovos cada não são o mesmo que um ninho com quatro ovos, mas para a matemática 2 + 2 = 4. Ela reduz a realidade ao quantitativo, esquece a qualidade e que nem sempre uma quantidade igual é equivalente. A origem grega do termo “matemata” significava aquilo que se pode entender e transmitir. Como o mais fácil de contar é a contagem, “matemata” virou “matemática, a lógica formal dos números. Até Deus nos tempos modernos deixou de ser sarça ardente e uma figura antropomórfica para se tornar a infinitude, um símbolo matemático.
Nietzsche dizia que quando se soma um homem e uma mulher, muitas vezes o resultado pode ser três ou quatro (como poderia ser um, zero ou oito). A lógica formal numérica gera contradições. A diferença entre um e zero parece um, mas, olhando mais de perto, há uma infinidade de números possíveis entre ambos, de maneira que teríamos que um é igual a infinito. Se ampliarmos o número de lados de um polígono, quando se chegasse à infinidade de lados teríamos uma esfera, que já não tem mais lado nenhum, de maneira que se teria infinito igual a zero. Seria possível supor também que a esfera tem dois lados, o de fora e o de dentro, e zero seria igual a dois e a infinito.
Supõe-se que as ciências humanas sejam menos exatas que as exatas. Como estas se fundam na inexatidão matemática, talvez se deva ouvir a convicção de artistas de que, ao comporem uma obra, embora partam de uma multiplicidade de possibilidades, quanto mais avançam o trabalho mais ficam convencidos de que só há um modo certo de fazer um traço, colocar uma cor, escrever uma palavra. Há um rigor na arte que é tão exigente quanto um cálculo de estrutura. Quando não é cumprido, a obra sucumbe ao seu projeto. Mesmo no jogo de xadrez, sempre há uma jogada que acaba se mostrando melhor que qualquer outra possível.
Alberti dizia que uma arquitetura perfeita é aquela em que não se pode tirar nem acrescentar nem mudar nada sem que o resultado se torne pior do que a obra que aí está. Isso depende, porém, da tecnologia possível. Quando ela muda, novas execuções se tornam possíveis. O que é do gosto de um tempo e lugar se torna absurdo para outro.
É preciso haver abertura para diferentes modos de encarar as coisas. Há modos diversos de raciocinar. Por mais que se procure acertar, cometem-se erros. Muitas vezes os piores erros são cometidos quando há um máximo de preocupação em acertar. Não se conhecem nunca todos os fatos presentes nos fatos nem se podem antecipar todas as consequências de decisões. Pode haver até acertos no erro, como há erros em acertos.
A democracia se baseia no princípio da igualdade entendido como igualação de todos. Na teoria, hoje não existe mais voto qualificado pela riqueza; na prática, há eleitores que valem mais. O princípio da igualdade poderia ser entendido, porém, como o reconhecimento da desigualdade do desigual, com o direito da diferença ser diferente. Havendo tolerância com a diversidade, o resultado geral é uma riqueza maior do que se uma parte eliminar as diferenças do resto. A democracia envolve uma nova compreensão do que seja a verdade: não mais a autoridade de um, mas um exercício da liberdade da coisa aparecer como ela é e o sujeito permitir que isso apareça para ele.

Flávio R. Kothe é professor titular de estética na Universidade de Brasília

Fonte: Jornal O Popular

Com 174 homicídios por 100 mil habitantes, Honduras tem cidade líder em violência


Para cuidar de carros estacionados no centro de San Pedro Sula, o flanelinha Luis Lario, 33, não desgruda de um facão de cerca de 40 cm de comprimento, que leva pendurado em seu ombro. "É para evitar roubos", explica. "Mas também tem gente que não quer colaborar.

O facão é estratégia de Lario para tentar sobreviver nas ruas de San Pedro Sula, cidade do norte de Honduras com o triste título de a mais violenta do mundo.Para cuidar de carros estacionados no centro de San Pedro Sula, o flanelinha Luis Lario, 33, não desgruda de um facão de cerca de 40 cm de comprimento, que leva pendurado em seu ombro. "É para evitar roubos", explica. "Mas também tem gente que não quer colaborar."

É o resultado de uma intensa guerra entre gangues por território, do narcotráfico internacional e da ineficácia tanto da polícia como do sistema judiciário para prender e julgar criminosos.

Com uma população de cerca de 750 mil, a cidade registrou 174 assassinatos para cada 100 mil habitantes, o dobro da média do país. A probabilidade de ser morto é 14,5 vezes maior do que na cidade de São Paulo.

Ainda mais do que numa cidade brasileira, é o medo da violência que molda a vida em San Pedro.

Quase todos os carros circulam com vidros escuros, a classe média se refugia em condomínios e os bairros mais pobres são controlados por gangues, que disputam territórios entre si e extorquem dinheiro - os "impuesto de guerra"- de moradores e comerciantes.

"As 'maras' (gangues) estão aumentando incrivelmente, incrivelmente", repete à Folha Oscar Giovani Mejia, 17, ex-morador de rua e hoje abrigado na Fundação ProNiño, ligada à Igreja Católica.

"Na minha época, só havia duas. Agora, cada bairro tem os salvatracucha, os MS-18, os patos locos, os azules, os ultra e por aí vai".

A convivência com a morte se banalizou. Na semana em que a reportagem da Folha esteve na cidade, dezenas de estudantes se aglomeravam diante do corpo de Laura Andrade, 15, morta com três tiros às 15h30, enquanto vendia café à beira de uma avenida da periferia.

"Seis dias atrás, mataram um amigo. Disseram que era assaltante, mas era da minha igreja", conta uma estudante de 17 anos, moradora da região, sobre a vez anterior que havia visto um morto.

Nas áreas mais nobres, onde poucos andam a pé, chama a atenção a presença ostensiva de seguranças privados, a maioria portando longas escopetas calibre 12.

Segundo levantamento da ONU, Honduras tem 70 mil guardas privados, muitos clandestinos, o dobro da soma de todos os policiais e soldados do Exército.

Uma parte importante da rotina da cidade é a leitura dos jornais. Em formato tabloide, destacam diariamente na capa os crimes mais graves -o "La Tribuna" tem uma seção fixa na primeira página intitulada "mortes violentas de ontem".

Os repórteres, porém, não vão além de reproduzir as informações oficiais e ouvir familiares de vítimas, devido ao medo de represálias. Desde janeiro de 2009, quando assumiu o atual presidente, Porfírio "Pepe" Lobo, 29 foram assassinados.

Em San Pedro, a vítima mais recente foi o conhecido âncora da TV Globo (sem relação com a brasileira) Aníbal Barrow, sequestrado e assassinado em junho. O corpo foi mutilado -cabeça, braços e pernas desmembrados.

Para a socióloga Julieta Castellanos, reitora da Universidade Nacional Autonôma de Honduras, embora o país seja rota para o narcotráfico (42% da cocaína rumo aos EUA passam por ali, segundo o Departamento de Estado americano), as gangues disputam principalmente o controle do mercado interno.

A industrializada região de San Pedro seria a mais disputada, por concentrar dois terços do PIB no país.

Intermediador de uma fracassada trégua entre as gangues, o bispo auxiliar da cidade, Rómulo Emiliani, diz que o crime organizado internacional e as gangues são responsáveis pela maioria das mortes, mas aponta a impunidade e a pobreza extrema como outros fatores.

FABIANO MAISONNAVE

ENVIADO ESPECIAL A SAN PEDRO SULA (HONDURAS)


Fonte: Jornal Folha de São Paulo