segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Goiás tem mais de 35 mil foragidos

equivale à população de um município de médio porte


A quantidade de foragidos da Justiça em Goiás equivale ao número de habitantes de municípios de médio porte do interior do Estado, como Santa Helena de Goiás e Cristalina. São 35.560 mandados de prisão em aberto, decretados pelo Poder Judiciário e que estão pendentes de cumprimento, de acordo com levantamento feito pelo Ministério Público Estadual (MP).

A população de Santa Helena, localizada no Sudoeste Goiano, é de 35.027 moradores, e a de Cristalina, no Entorno de Brasília, é de 36. 614 habitantes, conforme aponta contagem populacional divulgada em 2007 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE).

O quantitativo inclui mandados para prender condenados pela Justiça e decretados contra pessoas que respondem a processo, mas que não compareceram quando foram chamadas pelo Poder Judiciário. Devido à fuga, o juiz determinou a prisão.

Somente em Goiânia, são 8.535 ordens para recolhimento de foragidos, número que supera população de 153 municípios goianos, mais da metade do total (existem 246 municípios no Estado).

 
Entorno do DF



No segundo lugar do ranking está Formosa, com 2.714 mandados de prisão para serem cumpridos. Localizado no Entorno do Distrito Federal, o município forma com as cidades vizinhas um conjunto que possui mais de sete mil foragidos da Justiça.
 No entanto, a população de Formosa somada à de Abadiânia, Águas Lindas, Alexânia, Cidade Ocidental, Cocalzinho de Goiás, Cristalina, Luziânia, Novo Gama, Padre Bernardo, Planaltina, Santo Antônio do Descoberto e Valparaíso equivale a 65% dos habitantes da capital.

 
Desorganização



A sequência de cidades com maior número de foragidos acompanha o nível de acumulação de riquezas e circulação de dinheiro e mercadorias. Aparecida de Goiânia, Anápolis e Itumbiara ultrapassam a marca de mil mandados cada uma.
 "São cidades que cresceram de forma acelerada sem o poder público prover com serviços básicos, o que gerou o que os teóricos chamam de chamam de desorganização social", avaliou a socióloga Dalva Borges, professora da Universidade Federal de Goiás (UFG). Ela tem na violência uma de suas principais linhas de pesquisa.

O saldo desse processo desordenado de crescimento foi o desemprego, miséria, moradias precárias, sem saneamento, saúde e educação. No caso do entorno do Distrito Federal, as cidades servem como dormitório para quem, de fato, vive em Brasília, pois é na capital federal que essas pessoas trabalham e passam a maior parte do tempo. "Esta condição favorece o crescimento da violência", complementa a pesquisadora.

Na parte de baixo da lista à disposição do MP estão municípios menores: Cachoeira Dourada, Maurilândia e Montividiu, cujos dados mostram a inexistência de ordens de prisão nestas localidades. Outros 10.684 mandados estão duplicados ou foram efetuados contra o mesmo foragido.
 
Lista será revista por promotorias

 
O levantamento realizado pelo Centro de Apoio Operacional Criminal do MP dividiu foragidos por comarcas. Cada promotor receberá a lista para verificar quais mandados são válidos. "Pode ser que tenham mandados arquivados, ou cumpridos ou revogados, mas ainda não comunicados pelo juiz. Esta medida evitará constrangimentos e que se cometam injustiças, como prender uma pessoa indevidamente", disse o promotor José Carlos Miranda Nery.

A iniciativa do MP antecipa a criação do Cadastro Nacional de Mandados de Prisões, alvarás de soltura e apreensão de adolescentes em conflitos com a lei. O sistema ainda não está em funcionamento, mas será alimentado pelos órgãos de Justiça, Segurança Pública e Ministério Público, que também poderão realizar consultas. O cadastro objetiva dar efetividade no cumprimento de ordens de prisão e maior controle da população carcerária, além de fomentar projetos de investimentos na estruturação do sistema prisional.

Após verificação da validade dos mandados, o MP solicitará o cumprimento das ordens por parte das polícias Civil e Militar. A prioridade será dada aos foragidos que cometeram crimes hediondos, como homicídio, estupro e latrocínio. O rastreamento da localização dos fugitivos será feito a partir de parcerias com a Celg, Saneago, Câmara de Dirigentes Logistas (CDL) e empresas de telefonia, que fornecerão os endereços.

A busca por bancos de dados de diferentes órgãos e empresas privadas foi motivada pela inexistência de um arquivo unificado. Outra dificuldade refere-se à possibilidade de fazer carteiras de identidade em diferentes Estados da federação. É possível que a mesma pessoa tenha vários documentos, o que emperra a busca pelo foragido. "No Brasil, até os veículos tem sistema de identificação unificado, com o Renavam, mas a pessoa não tem. O que tem prevalecido são os interesses financeiros, já que as multas rendem aos cofres públicos", disse o professor de Direito Penal, Roberto Rodrigues, que também é vice presidente do Conselho Penitenciário de Goiás.

 
Cumprimento de mandados sem critério

 
Não existe um critério estabelecido para definir a ordem de cumprimento dos mandados. O ideal seria que as prisões fossem efetuadas assim que ocorresse a decisão judicial, mas "a polícia não tem condições de fazer isso", explica o presidente em exercício da União Goiana dos Policiais Civis (Ugopoci), José Virgílio Dias de Sousa. "Acaba que os crimes hediondos, que chamam mais atenção da sociedade, são cumpridos primeiro".

O quadro de profissionais da Polícia Civil na ativa hoje é composto por 3.576 servidores públicos. Segundo a Ugopoci, existe um déficit de 780 escrivãos e de 1.063 investigadores. A falta de pessoal diante do volume de mandados deixa a polícia sujeita a pressões de quem deseja ver a ordem judicial cumprida. "Quem está no meio fica vulnerável a isso. É perigosa essa relação, que gera promiscuidade. Sabemos que aqui e ali acontece um problema, não podemos tapar o sol com a peneira", reconhece Virgílio, referindo-se à possibilidade de haver corrupção.

Titular da Delegacia de Capturas, Eli José de Oliveira sustenta que tem feito um "pente fino" com os foragidos da Justiça. O delegado distribui semanalmente 50 mandados para cada uma de suas cinco equipes compostas por dez policiais, que vão à procura dos fugitivos. O resultado é uma média de 18 a 20 presos por cela, quando a capacidade é de quatro por cárcere. Mas a carceragem da Capturas já chegou a abrigar 50 presos.

A responsabilidade pela apreensão dos foragidos também recai sobre a Polícia Militar, que recolhe cerca de 12 foragidos por dia na capital. A política dos militares é de prender prioritariamente os responsáveis por crimes mais graves, com maior potencial ofensivo. "A gente prende e a Justiça solta. Além disso, tem a falta de vagas para os presos, o que desestimula o trabalho policial", afirmou o Comandante do Policiamento da Capital, Coronel Júlio César Motta.


Alfredo Mergulhão


Fonte: Jornal O Popular

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